O aparecimento das crianças como personagens nas histórias em quadrinhos remonta ao surgimento do gênero nos Estados Unidos, na década de 1890, com as histórias do Yellow Kid (“Garoto Amarelo”), no quadrinho dominical Hogan’s Alley, de Richard Outcault.
A história em quadrinhos desse garoto careca (devido ao único método de combater piolhos da época) e de orelhas de abano foi uma das primeiras em cores, e uma das pioneiras a usar o balão. A linguagem era popular, própria dos guetos de Nova York, onde moravam os imigrantes – o Yellow Kid representava esse tipo social.
O “Yellow” é referência ao pijama amarelo que o garoto sempre vestia, onde apareciam suas falas. Essa cor em sua roupa só foi possível devido a uma nova tecnologia de tinta amarela com rápida secagem. A presença do amarelo tornou-se, então, um marco nos jornais em que o Yellow Kid era publicado, originando, inclusive, o termo “yellow journalism” – a imprensa marrom!
O Yellow Kid não foi o que nós chamaríamos hoje de uma HQ “politicamente correta”. O garoto se metia com brigas de galo, jogos de azar, e apareceu em uma história… fumando um grande charuto! Porém, a história em quadrinhos, da mesma época, que estabeleceu a tendência das crianças “pestinhas” foi a The Katzenjammer Kids (algo como “Garotos dor de cabeça”; no Brasil chamada de Os sobrinhos do Capitão), do alemão naturalizado americano Rudolph Dirks.
Os personagens eram dois irmãos levados e incorrigíveis (Hans e Fritz), que lutavam contra as autoridades da geração mais velha – algumas vítimas de suas travessuras eram o Capitão e o Inspetor.
Os Katzenjammer Kids influenciaram diversos outros personagens, como Dennis the Menace, de Hank Ketcham, criado na década de 1950, conhecido no Brasil pela adaptação para desenho animado Denis, o Pimentinha.
No começo do século XX, havia um personagem que, apesar de não vender muito em relação aos seus concorrentes, chamava a atenção por seu estilo único e à frente de seu tempo. Era o Little Nemo in Slumberland (em português, “Pequeno Nemo na Terra dos Sonhos”), de Winsor McCay. Também publicada nos jornais, não era exatamente infantil, pois muitas vezes torna-se sombria e violenta. O roteiro era sempre o mesmo: o pequeno Nemo (Nemo é “ninguém” em latim) dormia, vivia aventuras completamente surreais tentando chegar à Terra dos Sonhos e salvar a princesa, mas, quando estava prestes a acontecer algo decisivo, ele acordava.
Little Nemo foi inovador em vários sentidos: McCay era mestre em perspectiva, começou a variar o tamanho dos quadros de acordo com a história, conseguia controlar o ritmo das histórias e também usava a metalinguagem. Pode-se dizer que ele foi um dos primeiros autores a levar a linguagem dos quadrinhos ao máximo.
Além disso, Little Nemo possuía influência de movimentos artísticos de vanguarda, e antecipava o Surrealismo. Sua estética ainda possuía cores vivas, alto nível de detalhes, e muitos elementos do circo (bolinhas, listras, chapéus pontudos, babados), expandindo os limites da imaginação. Sua famosa história Night of the Living Houses (“A Noite das Casas Vivas”, em português) foi a primeira HQ a ser incorporada à coleção do Louvre. Little Nemo influenciou diversos autores posteriores, como Moebius, Alan Moore, Bill Waterson e Neil Gaiman, além do escritor infantil Maurice Sendak.
Muitos personagens infantis que surgiram em tiras nos jornais da segunda metade do século XX falavam como adultos e tinham preocupações de gente grande. Seus autores de certa forma usavam a ingenuidade das crianças para intensificar a crítica que pretendiam fazer ao seu tempo, aos valores e aos costumes da sociedade.
Na década de 1950, Charles Schulz cria Peanuts (também conhecido como Minduim no Brasil). A tira mostrava o dia a dia de uma turma de crianças, e o personagem principal, Charlie Brown, era um exemplo perfeito de um “perdedor” – depressivo e pessimista, com ele tudo sempre dava errado.
Na década de 1960, a Mafalda do argentino Quino, em plena Guerra Fria, questionava o mundo à sua volta, expunha as dificuldades de seu país, vivia a tensão de uma possível guerra nuclear e sonhava fazer parte da ONU para estabelecer a paz entre Estados Unidos e União Soviética.
Na década de 1980, Bill Waterson cria Calvin and Hobbes (Calvin e Haroldo, no Brasil). Calvin é um garoto de seis anos, cujo parceiro Hobbes é um tigre de pelúcia. Contudo, quando mais ninguém está por perto, o tigre ganha vida e interage com o garoto. As fantasias de Calvin podem ser interpretadas de certa forma como uma fuga da sua realidade. Bill Waterson, com uma incrível imaginação, foi capaz de explorar a natureza humana através da imaginação de uma criança.
Influenciado por todos os esses autores, o argentino Liniers publica atualmente a tira Macanudo. Um de seus personagens é a garota Enriqueta, – extremamente imaginativa, ela adora ler e, ao conversar com seu gato Fellini, mostra ao leitor, de forma pura e ingênua, que a felicidade está nas pequenas coisas.
No Brasil, pode-se dizer que os personagens-crianças foram os que obtiveram mais sucesso com suas histórias, as quais são consideradas as criações genuinamente brasileiras do gênero dos quadrinhos. Os dois maiores expoentes são Ziraldo, com O Menino Maluquinho (que de certa forma segue a tendência dos “pestinhas”), e Maurício de Sousa, com a Turma da Mônica – maior sucesso brasileiro em vendas, que segue a tradição de retratar um grupo de crianças e suas aventuras.
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