O espírito dos quadrinhos

Por Daniel Argento

 

Um dos maiores artistas dos quadrinhos de todos os tempos, o americano Will Eisner tem exposição em sua homenagem no Brasil. Para o nosso orgulho.

 

Ilustração feita pelo próprio Eisner, na qual desenha o Spirit.

 

Se você nunca ouviu falar de Will Eisner nem leu um de seus quadrinhos, precisa repensar suas conversas e correr a uma biblioteca ou livraria. Trata-se de ninguém menos que um dos maiores ícones das HQs e um dos primeiros a levantar a bandeira da linguagem como manifestação artística. Mas não se sinta culpado, temos um privilégio especial que pode ajudá-lo a conhecer mais sobre essa figura emblemática.

 

Esse ano, o Brasil, país assumidamente apreciado pelo quadrinista e para o qual disse não se mudar apenas pela dificuldade para aprender o português, recebe uma mostra especial do trabalho de Eisner. Com direito a uma estátua de Spirit, seu mais famoso personagem, forjada em bronze especialmente para a exposição, O espírito vivo de Will Eisner tem curadoria de Marisa Furtado de Oliveira e Denis Kitchen e, depois de passar pelo Rio de Janeiro, ficará até 18 de dezembro no Centro Cultural São Paulo.

 

Composta por dezenas de banners com imagens de seus principais personagens e um grande número de páginas originais de suas HQs, a mostra ainda traz vários objetos pessoais de Eisner e algumas raridades, como uma enorme pintura de seu detetive mascarado em tinta acrílica sobre papel de pão, feita para que Ann Eisner, sua esposa, elaborasse uma tapeçaria.

 

Antes de se dirigir a O espírito vivo, no entanto, cabe um aviso. Visitá-la, assim como ler uma de suas HQs, pode despertar algo estranho para o público desavisado, que vai se deparar com uma janela para outra época. Contemplar a arte de Eisner nos faz pensar numa época em que os quadrinhos não eram menos comerciais, mas ganhavam muito em sutileza e sensibilidade.

 

Os traços precisos de canetas bico de pena que delineiam figuras e cenários associados ao exuberante contraste entre luzes e sombras revelam uma arte limpa e orgânica, naquilo que pode ser tanto uma aula quanto uma desintoxicação para nossos olhos, acostumados com imagens cada vez mais carregadas e mecanizadas. Vale a pena dar atenção especial aos originais de City People Notebook, nos quais Eisner usa, além da técnica tradicional a nanquim, a sobreposições de camadas de papel vegetal com recortes para criar uma graduação tonal e agregar um esfumaçado característico à aparência final dos desenhos.

 

Se você gosta de histórias em quadrinhos ou simplesmente é um apreciador de obras de arte elaboradas com requinte e esmero, não perderá nada visitando a exposição por alguns minutinhos: na verdade, só tem a ganhar. E, caso sobre um tempinho, ainda pode esticar o passeio e descer à Gibiteca Henfil do CCSP para conferir alguma das graphic novels de Eisner, como O nome do jogo, Pequenos milagres e New York, entre outras.

 

Aproveite a oportunidade, quando acontecerá outra exposição como essa é um mistério que nem Denny Colt consegue resolver!

 

 

WILLIAM ERWIN EISNER

 

Nascido em 1917, em Nova Iorque, e filho de imigrantes judeus, o jovem Will cresceu lendo tiras de quadrinhos em jornais, hábito que se tornou diário quando começou a trabalhar vendendo jornais em Wall Street. Mais tarde, esse gosto desenvolvido em sua juventude se manifestaria no colégio, quando Eisner aprimorou seus desenhos e sua escrita ao lado de colegas como Robert Kahn (mais conhecido como Bob Kane ou, ainda, o criador do Batman).

 

O primeiro grande passo de Eisner nos quadrinhos aconteceu quando, em 1936, entrou na equipe da revista WOW What a Magazine!, dirigida por Samuel Maxwell “Jerry” Iger, que se tornaria deu sócio no Eisner-Iger Studio um ano mais tarde, com o fim da WOW!. Apesar de importante para o desenvolvimento do artista, a parceria não durou muito e no início dos anos 1940 Eisner já produzia quadrinhos para a Quality Comics Group, por onde publicaria sua mais famosa criação: o detetive mascarado Spirit.

 

O detetive Spirit fez grande sucesso e até hoje é a criação mais famosa de Will Eisner, principalmente depois que ganhou um recente filme.

 

As páginas de abertura de suas histórias eram sempre criativas e inusitadas.

 

Já reconhecido por seu talento, em 1942, Eisner é convocado pelo exército americano, época em que passa a produzir HQs que serão distribuídas entre os soldados para motivar as tropas, o que fez com que outros artistas dessem sequência à saga de Spirit. Ao retornar, Eisner retomou as aventuras do personagem em tiras dominicais até 1952, ano em que suspenderia suas atividades diretas com quadrinhos.

 

O afastamento de Eisner durou até o início da década de 1970, quando recobrou o interesse por produzir e passou a se dedicar à elaboração das chamadas graphic novels (em português, novelas gráficas ou romances gráficos).  A primeira dessas obras foi Um contrato com Deus (A Contract with God, de 1978), seguida por Um sinal do espaço (Life on Another Planet, também de 1978) e tantas outras.

 

Elaboradas com notável sensibilidade, as graphic novels de Eisner representavam situações de realismo fantástico de personagens mundanos, preenchidos por angústias, esperanças e sentimentos dos mais variados e que caracterizam o que há de mais humano. Com esses trabalhos, o artista deu um grande incentivo para que as histórias em quadrinhos extrapolassem o gueto das leituras juvenis e de entretenimento, incorporando poesia e filosofia a histórias que já não tinham mais nada de infantis.

 

Página da primeira graphic novel de Eisner, Um contrato com Deus.

 

Quadro de Avenida Dropsie, graphic novel que foi adaptada para os palcos pela Sutil Companhia de Teatro.

 

“O último homem” integra New York: a vida na grande metrópole, uma das mais famosas HQs de Will Eisner.

 

 

Ao longo dos anos seguintes, além de continuar sua produção de obras ficcionais, o quadrinista escreveu uma trilogia sobre a natureza e as técnicas da linguagem quadrinística, baseado no conteúdo ministrado na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque e que dominou durante sua carreira: Quadrinhos e Arte Sequencial (Comics and Sequential Art, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes), Narrativas Gráficas (Graphic Storytelling, publicado no Brasil pela editora Devir) e Expressive Anatomy (inédito no Brasil).

 

As capas dos livros teóricos sobre histórias em quadrinhos escritos por Eisner. Os dois primeiros já foram publicados aqui no Brasil.

 

Dentre as diversas homenagens que Eisner recebeu ao longo de sua vida, talvez uma das mais emblemáticas seja o batismo do maior prêmio da indústria de quadrinhos americana com o seu nome, em 1988: o Will Eisner Comic Industry Awards, ou simplesmente ‘Eisners’. Receber o prêmio é uma honra, sendo um sonho para boa parte daqueles que se aventuram a produzir HQs.

 

Após uma vida de grande atividade e criatividade, Will Eisner faleceu em 2005, no estado da Flórida, devido a complicações após uma cirurgia. Com 87 anos, o quadrinista deixou extensa obra e numerosas lições aproveitadas hoje e sempre por jovens e adultos que apreciam as histórias em quadrinhos e sabem que por trás de simples requadros é possível encontrar ótimas histórias, com soluções artísticas criativas e elaboradas por artistas brilhantes.

 

Serviço: O espírito vivo de Will Eisner. Centro Cultural São Paulo – Piso Flávio de Carvalho. Rua Vergueiro, n. 1000, CEP: 01504-000, Paraíso, São Paulo, SP. Terça a sexta, das 10h às 20h; sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h. Entrada franca. Classificação: Livre. Até 18/12/11. Acesse o site.

 

 

Para saber mais

 

http://www.willeisner.com (em inglês)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Will_Eisner

http://pt.wikipedia.org/wiki/The_spirit

http://en.wikipedia.org/wiki/Graphic_novel (em inglês)

http://www.universohq.com/quadrinhos/entrevista_eisner.cfm






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