Quadrinhos de não ficção I: Joe Sacco e o jornalismo em HQ

Por Eliezer Rodrigues

 

Uma criança ferida chora perante o corpo ensanguentado de quem supomos que seja o seu pai. Ao fundo, uma imagem desoladora de destruição causada por tanques israelenses em algum dos conflitos contra os palestinos na história recente. Essa imagem poderia ser estampada na capa da National Geographic ou em alguma manchete de um grande jornal americano, brasileiro ou africano. Na verdade, o que surpreende é que a imagem não se trata de uma foto, mas de uma ilustração em nanquim feita pelo quadrinista Joe Sacco na abertura da primeira parte de Notas sobre Gaza (Companhia das Letras, 2010).

 

Joe SaccoNascido em Malta e radicado nos Estados Unidos, Sacco formou-se em Jornalismo mas se sentia um pouco frustado nessa área: além de não arrumar empregos que o deixassem satisfeito, ele via que o distanciamento do jornalista em relação ao que é noticiado e a tentativa de abordar o fato mais objetivamente favoreciam um distanciamento crítico do leitor. Havia o repasse da informação, mas não havia espaço para a reflexão.

 

Por causa disso, juntamente com outros fatores, Sacco tentou conciliar sua paixão por quadrinhos com o jornalismo, na crença de que somos uma espécie que atua mais a partir do âmbito visual. E a discussão e explanação de um conflito levaria o leitor a refletir e se interessar, à medida que os rostos de seus personagens criassem uma empatia e um sentimento de solidariedade.

 

Riki, personagem de Gorazde

Em certos momentos, ele se coloca como personagem – um narrador em primeira pessoa – e intensifica os elementos humanizantes de seu relato, mostrando as amizades e relações que faz com os moradores locais, ou contando situações engraçadas (como um soldado bósnio que ama cantar rock na HQ Gorazde: Área de Segurança). Ao mesmo tempo, há um posicionamento claro contrário a determinadas atitudes políticas, com a finalidade de aproximar o leitor do sofrimento. No seu fazer jornalístico, as entrevistas e recriações gráficas dos conflitos mostram tanto o lado dos opressores quanto o lado dos oprimidos, juntamente com a contextualização histórica. Tudo devidamente apurado em documentos e depoimentos das testemunhas oculares.

 

Capa de Palestina: uma nação ocupada

Mas a preferência por temas politicamente delicados não era nova para ele. Já nos anos 1980, Joe Sacco se interessava pelos tensões no Oriente Médio e, em 1991, já trabalhando como editor da Fantagraphics, ele foi para Israel onde recolheu o material e apurou diversos fatos que iriam compor a obra Palestina: Uma Nação Ocupada (publicada no Brasil pela Editora Conrad em 2001 e relançada em uma edição especial em 2011). Era a primeira vez que chamava sua reportagem de “jornalismo em quadrinhos”.

 

Apesar de existirem experiências anteriores do que se convencionou ser “jornalismo em quadrinhos”, Sacco foi o primeiro a nomear dessa maneira e lançar algumas bases desse gênero, o qual não deve em nada em termos narrativos aos clássicos das HQs e, em termos jornalísticos, mantém a mesma seriedade e sobriedade esperada de uma matéria com os assuntos tão densos e complexos abordados e apurados por Sacco.

 

Após a leitura de um trabalho tão bem realizado, é difícil ficar indiferente às questões dos Bálcãs ou do Oriente Médio. No fim, independente da posição que toma, Sacco levanta mesmo a bandeira do pacifismo e o faz magistralmente ao chocar o leitor com a crueza do olhar de um garoto órfão, recriado na ponta de uma caneta nanquim.

 

 

Quer saber mais?

 

Entrevista para Saraiva

http://www.youtube.com/watch?v=yF0cLAQBRys

 

Reportagem do programa Entrelinhas

http://www.youtube.com/watch?v=tTmCeuBRpTo

 

Entrevista para o Guia do Estudante

http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/divirta-estudando/um-bate-papo-com-joe-sacco-o-criador-do-jornalismo-em-quadrinhos/





1 comentário


Daniel Argento
12/12/2011 às 12:27

A proposta do Joe Sacco é bem interessante, mas acho que seu estilo, com desenhos mais carregados, torna mais pesada a leitura do conteúdo sobre um assunto já bastante tenso. É claro que isso contribui para o clima das HQs, mas me faz ter que ler aos poucos, rs…





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